sábado, 29 de abril de 2006
"Eu-córrego"
O córrego está se limpando de verdade agora. Águas limpas começam a brotar deste solo e jorram por todos os cantos. Esse rio, que não é o mesmo, corre solto, sob novos conceitos de liberdade, de amor, de lealdade, de honraria, de verdade e de consagração.
domingo, 23 de abril de 2006
Iniciar um novo parágrafo é sempre renovador, principalmente se deixamos de lado tudo o que foi dito na linha anterior e nos permitimos tratar de novos assuntos ou dos mesmos, de nova maneira. A forma sempre nos permite novos formatos. O conteúdo sempre espera ser colocado de um jeito que interesse a quem vê.
O Homem sangue
Ele fugiu. Saiu correndo ensangüentado, após ter se arrastado por quase duas horas por entre um ladrilho mais estreito que a espessura de seu corpo. Como? Até agora tentam responder. O fato é que ele, apesar de gravemente ferido, sentia uma profunda alegria que movia suas pernas na velocidade que lhe era possível. Saltava! Ouvia uma música sem nome e de ritmo desconhecido que lhe embalava ladeira abaixo numa cena em câmera lenta. Olhava em seu entorno, mas não via nada nem ninguém. Deslumbrado, apenas corria sorrindo. O sangue que lhe escorria, não o incomodava. Era como se fosse um bálsamo brilhante que sua alma expelia. O passado não lhe cabia mais. O futuro não existia. E o presente era um presente que ele permitia a si mesmo e aos outros. Não sofria, não tinha tempo. Nada era novo ou repetido, tudo era lindo, limpo, cristalino. Tentaram agarrá-lo, pretendiam socorrê-lo. Mas de quê? Alguns o queriam ver preso. Outros o queriam não ver. Todos o invejavam. Dos que olhavam de dentro do prédio branco, dos que olhavam de dentro do prédio cinza. Ninguém passava ileso àquela imagem viva que pulsava diante de si. Em dado momento, parou. Começou a olhar as pessoas em volta e a enxergá-las. Começou a sentir a dor a que seu corpo se expusera. Viu e sentiu-lhe o sangue escorrendo ferimentos afora por todo o corpo. Doeu-se todo. Doou-se ao chão numa queda incessante, pois mesmo no chão, ainda caia. Um amontoado de curiosos, sedentos de sangue e dor alheias, fechou logo um cerco ao seu redor, que aos poucos deixava de ser seu. Os comentários lhe furavam a cabeça e lhe furtavam o que ainda restava de consciência. Tudo tomava dimensões gigantescas. Cada sussurro, um grito estridente. Cada passo, uma batida de estremecer o chão. O Sol... Ah! O Sol... Parecia que estava deitado sobre o Sol, mas estava apenas sob o Sol e, mesmo assim, suava sangue. Já não via ou ouvia nada. A dor era passado. Suspirou pela metade, tentou lembrar daquela música... aquela mús... Descansou. Após dezessete minutos, um funcionário limpava uma possa de sangue com criolina e o dia seguia seu curso normal.
"Tudo sob controle"
Naquele dia não pôde despedir-se. Estava atrasado demais e não havia tempo para burocracias ou coisa parecida. Um beijo rápido poderia prejudicar todo o andamento de um dia cheio. Pensou... Não, não pensou, pois não tinha tempo. Entrou no carro jogando os papéis de um banco para outro e quase se esqueceu de sentir o gosto amargo que o café deixara no céu de sua boca. Este era um dos poucos rituais que ainda fazia e um dos poucos prazeres de todo o seu dia. Ligou o carro, o ar, o som. Não, o som não; não gostava de música àquela hora da manhã. Na verdade em hora nenhuma. Firmou as mãos no volante, o olhar na pista e a mente na carreira. O coração já não era requisitado há anos. Como quem está bem, ligou o carro e partiu para mais um dia de trabalho. Sem questionamentos. Sem afetações. Tudo sob controle.
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