Nosso tempo está passando agora neste exato momento que não é mais este, nem é mais outro, pois mesmo o outro já passou e o que é que estamos fazendo com isto? Não é tempo de dormir, pois adormecidos estamos todos. Todos os dias entregamos nossas vidas à burocracia e esperamos que ela nos responda o motivo de nossa vinda. Não respiramos mais como o fazíamos tão bem quando bebês. Comemos comida sem sabor e nem notamos. Raro é o som que permitimos ser música aos nossos ouvidos. Vícios e carências nos cercam e guiam nossos passos. Nem mesmo a palavra querer tem sentido neste estado de dormência. Demência. Quem é o demente? A realidade se apresenta como algo do qual devemos fugir, pois não há nada de real nela. A realidade não mais me espanta, mas sim me espanca, todos os dias. É mais fácil dormir, mas para isso, devo esquecer de que o nosso tempo está passando. E a solidão que refrigera minha alma e o ar que sai de mim, nem ela mais me acompanha. O que está comigo não tem nome, não pode ter. Cadê o que me magoa? Cadê o que me alegra? Tudo o que me confere vida se foi. Se minha vida tivesse ido junto, eu provavelmente não estaria aqui me queixando em vão. Nada do que se faz é em vão, pois tudo o que é feito, o é dentro de um tempo (que passa). Seria o tempo o que me confere vida? Se assim for, é tão triste notá-la. Não quero viver se isso significar a percepção deste fenômeno. Não controlo o tempo. Não controlo nada, nem minhas palavras, elas saem de mim sem que sejam minhas. O que devo fazer com isto? Falta controle... Sobra burocracia. Vejo coisas o tempo todo e isto não diz respeito a ninguém. O que é mesmo a realidade? Tanta carência que o não-ser se faz mais presente que o ser que me habita. Se eu sou lar de algo, sou um lar sem paredes nem teto. Não abrigo ninguém, nem a eu mesmo. Carrego comigo algo que sei que não sou eu, que nem tampouco me pertence. O que devo fazer com isto? A parte mais chata de estar vivo é esta idéia de que devo estar sempre fazendo alguma coisa com as coisas. É que sempre me esqueço de que as coisas não dependem de mim. Elas (as coisas) simplesmente existem. Gostaria de simplesmente existir. Ser simplesmente uma coisa, assim, sem precisar fazer nada pra isto. Não sou coisa nem nada. O que sou? Gostaria de ser uma partícula da voz de Bjork se esvaindo pelo espaço num grito infinito de luz com todas e nenhuma cor. Ser coisa é a melhor coisa que se pode querer ser. Coisa sem sem nome, entre os meus, teu nome é Deus. Adeus! Ah! Deus... A deusa do destino me disse esta noite que eu era menino antes de ser velho e que tornar-me-ei menino novamente antes que o perceba. Por isso não consegui dormir e passei a noite inteira querendo morrer de novo, para nascer de novo e viver de novo, para morrer de novo. Ah! Deus... Um novo Deus é preciso, mas para isto, ainda hão de haver muitos e muitos adeuses às deusas que regem o universo que, há muito tempo, não é mais masculino. Deus é Mulher e isto fere os ouvidos dos homens de meu tempo. Como podem homens sem tempo, terem tempo para obser-ouvir a Mulher que habita, rege e é a natureza de todas as coisas? Um som de “s” rasga o espaço e me faz serpente que de repente se esvai de e em mim para a eternidade amém. Não consigo mais sair daqui. Parece que antes de nascer, tudo isto já existia em mim e que agora que me percebo em existência, não faz mais sentido outra coisa qualquer que não seja estar neste aqui-agora que se apresenta. Me vem à mente mil-e-uma palavras que não existem, pois não há letras que lhes representem fielmente. O que devo fazer com isto? Parece que vim a este mundo para perguntar, apenas perguntar e nada mais. Se não devo saber as respostas, por que devo perguntar? A resposta está em mim ou fora? Até para perguntar existem regras. Existem por ques e por quês. Porque dependendo do por quê, a resposta muda. Resposta muda. Este mundo de respostas mudas machuca. Ninguém me ouve, pois ninguém, sequer, se ouve. Ouvir é arte esquecida nos tempos de hoje. Vivo sendo corrigido e tento estar atento para não errar novamente, mas quem é que sabe o que é certo? Todos acreditam o saber, mas não é verdade. A verdade é uma só, mas ninguém sabe onde encontrá-la. Viemos a este mundo compartilhar nossa ignorância e, mesmo assim, uns se acham menos ignorantes que outros. Mais ainda! Tem aqueles que crêem veementemente que não são ignorantes. É de pasmar-se. Sabedoria é algo que vem com o tempo, só pra que – no fim – descubramos que ela não existe de fato. Uns inventam serem sábios, pois conhecem algumas artimanhas de agradamento e outros (os agradáveis) caem direitinho como lebres comendo legumes sob a rede, sem saber o mal que lhes espreita. Mesmo não querendo agradar, as vezes agradamos as lebres sem perceber. Mesmo não querendo, as vezes nos esbaldamos com legumes alheios. Viver é uma arte sabe-se lá do quê! Fico na dúvida se a vida é um bloco confuso com algumas lacunas de ordem, ou se o caos é a lacuna. O caos tem tanto charme que por vezes desejei que ele fosse a verdade, a realidade possível, a energia regente. Sem o caos, o que sobra é o saco, do qual se deve coar e chacoalhar tudo o que é aresta, pois o que resta não mais presta, nem voltará a prestar ou a ser qualquer coisa. Na verdade, quero um mundo sem coisas, mas sim, com
caosas. Se todas as causas forem filhas do Caos e das Coisas, então daí sim, valerá a pena viver. Vir e ver e ser. Daí então tanto faz se Deus é este ou aquela, pois o que realmente importa, não importa mais. Nem nós que não somos nada além de nem nós mesmos, nem nós nos importamos nem importaremos mais com qualquer coisa que seja ou não seja. Por que escrevem coisas assim? Por que fazem filmes assado? Linguagem é coisa tão efêmera diante da eternidade. Para que fazê-lo? Creio ser só um inventáculo para expor o que não cabe. Se somos cheios de coisas que não cabem, por que as temos? Talvez parta daí o desejo de com=partilhar. Mesmo num tempo no qual nada mais é passível de compartilhamento, ainda sim, é importante tal esforço. Desumano, mas importante.